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ESQUECIDOS

  A VIDA DE QUEM CONVIVE COM ALZHEIMER 

     A Doença de Alzheimer (DA) é considerada a mais comum entre as demências. A Alzheimer’s Disease International estima que, atualmente, 50 milhões de pessoas tenham a doença e que até 2050 esse número irá subir para 131,5 milhões. Logo, considerando que, para cada pessoa com Alzheimer deve existir um cuidador, grande parcela da população é obrigada a conviver e aprender a lidar com as dificuldades do esquecimento e problemas decorrentes dele. 

     Isso deve-se ao fato de que, com o aumento da expectativa de vida, a população da terceira idade vem aumentando e consequentemente o número de casos também vem crescendo. No chamado aparecimento tardio, ela afeta, em sua maioria, idosos com idades a partir de 65 anos. Mas também existem quadros raros em que a DA se apresenta de forma precoce, em jovens adultos. 

     De acordo com pesquisas científicas, ela evolui de forma lenta e pode ser percebida até cerca 20 anos depois de começar a apresentar os sintomas. Os quadros se dão em quatro etapas e se caracterizam como: Estágio 1- com alterações na personalidade e memória, habilidades espaciais e visuais; Estágio 2- agitação, insônia, dificuldades em realizar tarefas simples, coordenar movimentos e na fala; Estágio 3- Problemas ao executar tarefas diárias, dificuldades para comer, incontinência urinária e fecal; e Estágio 4- Limitação ao leito, dor ao engolir e infecções recorrentes.

Introdução

     No cenário atual, ainda não é possível medir com precisão a quantidade de pessoas que possuem a doença em alguns países, principalmente porque os profissionais da saúde não são obrigados a notificar o diagnóstico. Esse é o caso de Alagoas. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), não há nenhum dado a respeito do número de alagoanos com a doença e também dos que são atendidos pelo Estado.

     Apesar disso, está cada vez mais visível a quantidade de idosos com esta demência. Isso interfere em várias camadas da sociedade. Enquanto a população vem caminhando para uma melhor qualidade de vida, outra parcela ainda pensa que não há nada que possa ser feito para evitar as comorbidades da terceira idade e que isso é algo característico dessa fase da vida. Alguns médicos partilham do mesmo entendimento, mas a ciência vem provando que alimentação saudável e uma vida ativa são fortes aliados para manter a memória viva.

     Para a construção desta reportagem, idosos com Alzheimer foram acompanhados juntamente com os seus cuidadores. Após longas conversas e aproximação, foi percebido o carinho, o amor e a fé dessas pessoas que, antes criados por seus parentes - sejam pais, tios, avós, cônjuges ou até pessoas a quem desenvolveram algum afeto -  agora inverteram os papéis e passaram a retribuir de alguma forma a quem tanto lhes doou atenção. 

     Devido à fase terminal que se encontra um dos personagens, a família não permitiu alguns registros para preservar a sua imagem. Assim, a história foi contada pelo olhar da sua cuidadora. Já outros parentes não apresentaram ressalvas e se mostraram animados com o fato de que seus doentes estariam tendo um arquivo em que as histórias e singularidades de cada um seriam eternizadas.

     A Doença de Alzheimer faz parte do grupo caracterizado como demências, sendo a mais comum entre elas. Como uma síndrome degenerativa, ela se apresenta de maneira progressiva, inicialmente afetando a memória de curto prazo, impossibilitando que o doente consiga manter novas lembranças. 

     De acordo com o Ministério da Saúde (MS), a doença ocorre porque o processamento de certas proteínas é feito de forma errada. Estando mal cortadas, estas tornam tóxicas. Como resultado, a perda progressiva dos neurônios de algumas áreas do cérebro responsáveis pela memória, reconhecimento de estímulos sensoriais, raciocínio e linguagem.

     Acontecimentos do dia a dia, como nomes de pessoas, lugares visitados frequentemente, números de telefone ou senhas acabam sendo esquecidos. Também se torna difícil adquirir novos conhecimentos e ao mesmo tempo em que a memória de curto prazo é comprometida, lembranças antigas começam vir à tona. 

     Isso acontece devido a essa parte da memória antiga que ainda está preservada. Nesses casos, pode parecer que o funcionamento está em perfeito estado por guardar recordações mais velhas. Mas, neste momento, a enfermidade já afetou partes do cérebro como o hipocampo e o córtex nervoso central,  que explica tal comportamento.

     Nesse estado, é comum que a família comece a relacionar os esquecimentos a questão da idade. Ao notar esse tipo de comportamento, é fundamental que o enfermo seja levado para avaliação médica. A neurologia, geriatria e a psiquiatria são as especialidades médicas que podem prestar o diagnóstico da DA. 

     A neurologista Valdirene Barbosa trabalha especialmente com pessoas nessa situação e explica que o melhor momento para se procurar um profissional é quando a família ou o próprio indivíduo começa a perceber sintomas como: perda de memória recente, repetição de perguntas, dificuldades em acompanhar conversações, dificuldades para realizar tarefas do cotidiano e encontrar palavras que exprimem ideias, isolamento, e irritabilidade.

     Quanto mais cedo a doença for descoberta, melhor será a qualidade de vida do paciente. Pois, embora a ciência ainda não tenha encontrado a cura para a patologia, existem tratamentos que podem retardar os sintomas da doença e até possibilitam que seja possível realizar as tarefas diárias por mais tempo.

     A professora Edilma Ciríaco vivenciou de perto, por mais de uma vez, como esses sintomas se apresentam. Primeiro com sua mãe, em 2010, quando foi diagnosticada com o estágio avançado da doença. Na época, a incredulidade e a falta de aceitação fez com que ela e seus irmãos saíssem de Alagoas para São Paulo, na esperança de um outro diagnóstico. A tentativa foi em vão e com o Alzheimer veio a esclerose múltipla, que a deixou de cama e a levou a óbito em quatro anos. 

     Nesse período, a situação devastou a família, que até hoje não acredita como uma pessoa ativa, que trabalhou durante a vida inteira pode ter sido mais uma das vítimas da DA. Lurdes Ciríaco gostava de vendas, trabalhava no caixa de um supermercado e no tempo livre, dentro da sala de casa, negociava pequenos objetos, como canetas, sombrinhas, blusas. Ela ainda conseguia ser uma dona de casa exemplar, mãe e avó carinhosa. Nada disso por necessidade, mas sim por prazer.

Edilma Ciríaco - Sintomas da mãe
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     A desatenção da idosa foi o que deixou a família em alerta. Os filhos começaram a notar que ela já não cumpria com as obrigações diárias como antes e o esquecimento começou a trazer riscos para a saúde da Lurdes e também dos que estavam ao redor.  “Chegou um tempo que a gente percebeu que ela estava fazendo coisas absurdas. Esquecia comida no fogo, se queimou, queimou a Eliete [nora] com uma cafeteira”, lembrou Edilma.

     O pai, Eloy Ciríaco, foi a segunda experiência da professora com a doença. Ele começou a demonstrar os sintomas antes do falecimento da esposa. Mas, pelas variadas formas de manifestação do Alzheimer, a família não conseguiu identificar logo no início. Foi só aos 78 anos, dois anos após a morte da companheira, que a doença foi descoberta já em estágio moderado.

     A filha mais nova tinha acabado de sair da cidade de São Paulo para o município de Lagoa da Canoa, localizado no Agreste alagoano, para prestar vestibular. Ela começou a morar com o pai e percorria diariamente aproximadamente 13 Km até a cidade de Arapiraca para ter aulas em um cursinho durante o turno da noite. Porém, ao chegar em casa, repetidamente, os cadeados das portas estavam fechados e ela tinha que ir dormir na casa de Edilma, sua irmã. 

     Nas noites que não tinha aula, foi deixando de dormir de madrugada por perceber o movimento do pai. O homem que sempre acordou cedo para trabalhar e tinha costume de limpar toda a casa antes de sair, começou a levantar às 03h da manhã para fazer faxina em casa. O movimento a deixou perturbada e inicialmente acreditou ser por implicância, até a constatação da doença. Hoje, ele parece outra pessoa. As reações que inquietaram a família deram lugar para o olhar perdido de quem não faz nada sem a ajuda de alguém.

MEMÓRIA QUE FALHA

Memória que falha

HELOY CIRÍACO,82 ANOS

     Não é segredo que ter uma vida ativa, além de produzir hormônios da felicidade, é a chave para prevenir inúmeras doenças. Uma delas é o Alzheimer, que se faz mais presente em pessoas sedentárias. Claro, assim como aconteceu com Lurdes, não é regra que todos que se movimentam não serão acometidos, mas existem estudos que apontam que a prática de exercícios físicos pode evitar o aparecimento da patologia.

     Os benefícios trazidos pela prática de exercício físico vão além da prevenção da doença, pois pode melhorar as habilidades motoras como correr, caminhar e também evitar que as atividades respiratórias sejam prejudicadas. Além disso, é capaz de restabelecer a potencialidade. Mas, para isso, é indicado que se tenha de 30min a 40min de atividades físicas diárias.

     Exercícios indicados são geralmente reduzidos para que não sejam prejudiciais ao idoso. Contudo, é imprescindível a avaliação profissional para que possa ser analisado o estado da doença e se existe um histórico de práticas corporais, que são as atividades realizadas pelo indivíduo ao longo de sua vida.  Só assim deverá ser decidido o que é mais adequado. Nessa fase, o educador físico Wagner da Silva salientou a importância da presença da família para informar questões que podem ser esquecidas pelo doente.

     Ele contou que, em alguns casos, o enfermo chegou a comunicar que nunca tinha praticado caminhada ou natação - um dos mais indicados - e ao conversar com o cuidador, ele descobriu que, na verdade, o indivíduo desempenhava uma vida ativa e até praticava os exercícios citados. 

     No geral, caminhada, dança, hidroginástica, corrida leve e musculação - indicadas para a prevenção da DA - também são as ideais para aqueles que já possuem a doença. A principal diferença é que, no idoso saudável, existe a liberdade da prática dos exercícios sem o acompanhamento profissional, mesmo que não seja a melhor opção. Porém, no idoso já doente, esse auxílio se faz essencial.

     Um estudo realizado por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiu estabelecer uma ligação entre o tratamento para a perda de memória e o hormônio irisina, produzido pelo corpo durante a atividade física. A pesquisa, realizada em parceria com outros institutos e universidades, foi publicada no início de 2019 na revista “Nature Medicine”. 

     Os testes foram feitos em camundongos que recebiam doses do hormônio ou faziam exercícios para produzi-lo. A partir deles, foi descoberto que o cérebro afetado tem baixos níveis de irisina e que a reposição por meio de exercícios foi capaz de reverter os efeitos da patologia. Além disso, a irisina é o componente que regula os efeitos positivos da prática de exercícios na memória dos roedores.

     Os pesquisadores já haviam apostado na hipótese deste hormônio na solução para problemas decorrentes da demência há cerca de oito anos, quando um cientista em Harvard descobriu sua eficácia. Na época, ficou comprovado sua atuação na melhora dos sinais de diabetes tipo 2. Como era conhecido que pessoas com esse tipo de diabetes tinham mais chances de desenvolver Alzheimer, surgiu a possibilidade de que a irisina pudesse ter ação protetora. 

     Vinte e cinco cientistas de vários países participaram da descoberta. Eram representantes da Fiocruz e Instituto D'Or, ambos no Rio de Janeiro, da Queen's University e da Universidade do Oeste de Ontário, no Canadá, e ainda da Columbia e do Kentucky, nos EUA. Porém, mesmo com os frutos promissores, ainda é preciso a realização de testes em humanos, devido às variações que podem haver entre as pessoas e os camundongos com a DA.

     Para comprovação da hipótese, foram realizados três testes com roedores. No primeiro, eles ficavam em uma caixa com dois objetos diferentes, depois eram retirados para a mudança de um dos instrumentos. Ao retornarem, os que tinham sido modificados para ter a doença, passavam o mesmo tempo analisando os objetos antigo e o novo, pois não se lembravam do que já conheciam, já os normais exploraram apenas o desconhecido. A perda de memória foi registrada pelo tempo que era gasto pelos animais ao analisarem o objeto antigo.

     No segundo, eles foram colocados em um labirinto aquático e tinham que encontrar uma plataforma para que pudessem andar ao invés de nadar. Mesmo com as pistas colocadas pelos cientistas, os que tinham a DA demoravam muito para chegar a plataforma e outros nem conseguiam encontrar. Por fim, o último teste foi o condicionamento ao medo. Nesta fase, eles ficaram em uma caixa na qual recebiam pequenos choques, para em seguida serem retirados. Após 24h, ao retornarem ao local, os que não tinham a doença ficavam “congelados” pelo medo, já os doentes não se lembravam e agiam como na primeira vez.

     Depois de cada teste, os animais receberam doses de irisina e depois de recuperar a memória, conseguiram realizar os experimentos corretamente como aqueles que não foram sujeitados a demência. Porém, o hormônio não foi testado a longo prazo e sua eficácia foi considerada apenas durante os estudos. Depois, os cientistas acreditam que seja preciso mais de uma dose para se ter efeito contínuo nos humanos. 

     Em Maceió, que geralmente é mais desenvolvida que a maioria dos municípios alagoanos, apenas algumas academias têm preparo para receber idosos com a DA. Ainda assim, nem todas que aceitam disponibilizam mais de um tipo de atividade. No geral, o mais comum continua sendo a musculação e a dança. Acarretando na necessidade do familiar procurar atendimento residêncial, o que não é acessível para todas as classes sociais.

     Ao entrar em contato com as academias de Maceió, grande parte informou que não tem nenhum aluno com a doença, mas que podem receber. Porém, apenas quatro disponibilizam seus próprios profissionais para acompanhamento dos idosos. Foram elas: Academia Fort Fitness, Club Fitness, Conexão Fisio e Academia Cena.

 

     Além disso, Apenas a Conexão Fisio, especializada em pilates, permite que o idoso participe de atividades individuais e em grupo. Os profissionais também fazem atendimento a domicílio. As demais, apenas liberam que o doente junto com o educador físico, contratado a parte, façam uso do espaço. Para isso, a família deve fechar um pacote com o local e outro com o profissional.

     A segunda família acompanhada durante essa reportagem foi a do agricultor Luiz Heitor dos Santos, de 72 anos, que teve a doença diagnosticada há cerca de quatro anos. Muito religioso, mesmo vivendo em uma realidade de extrema pobreza, ele não abria mão de ler sua bíblia diariamente e até chegou a dirigir uma igreja evangélica e ser chamado de pastor, embora, hierarquicamente, seu título fosse outro. Assim, para compor seus sermões, estudava muito e com o livro bem riscado com suas marcações se orgulhava ao contar o número de vezes que a tinha lido por ano.

     Quando jovem, ele e a esposa, a também agricultora Maria Bispo dos Santos, conhecida por todos como Lili, tiveram onze filhos. Desses, cinco acabaram falecendo com doenças comuns da época, como diarreia. Pelas condições do casal, outro foi doado para uma família, com melhores condições e assim, apenas cinco permaneceram com o casal e até hoje são muito presentes na vida dos dois.

     Mesmo com a falta de informação e o pouco dinheiro para ter acompanhamento médico, o agricultor sempre percebeu o efeito das atividades físicas. Devido ao trabalho pesado, ele sofre com problemas na coluna desde cedo e foi com caminhadas e corridas leves no fim da tarde, que ele conseguia diminuir as dores corporais. Depois, já com os filhos adultos e uma condição financeira um pouco melhor, antes da doença aparecer, também participava de atividades com grupos de idosos no posto de saúde próximo a sua casa.

     Depois do diagnóstico, o idoso ainda tentou se movimentar, mas devido ao grande período de tempo na cama, as dores na coluna pioraram e juntamente surgiu uma labirintite, que o impossibilitaram de se mover sem a ajuda de terceiros. Devido a quantidade e o preço de medicamentos, a aposentadoria dele e da esposa não possibilitam gastos extras, permitindo apenas o tratamento com o neurologista. 

     Cerca de 15 dias antes da visita na casa da família para a realização das entrevistas, o idoso tinha levado uma queda por tentar ir do quarto para a cozinha enquanto o filho estava usando o banheiro. Devido ao seu estado, ele esquece que não pode levantar sem a ajuda dos filhos. A atitude deixou marcas no rosto, que ainda estava roxo durante as gravações e também no psicológico da família, que se sente culpada pelo incidente.

     Além disso, a família acredita que o acompanhamento multidisciplinar não se faz necessário e a procura por outros profissionais só ocorre quando surge na necessidade. Agora, Luiz não tem a prática da atividade física, que provavelmente melhoraria alguns problemas que surgiram com o Alzheimer e os exercícios com a equipe foram abandonados. 

     Nas atividades em grupo, Wagner destaca a necessidade de se trabalhar com um menor número de pessoas: “Deve ter um professor para cada aluno com Alzheimer. Porque um pode ter um problema de joelho, outro pode ter um problema na lombar, o outro pode ter problemas de lesões musculares e a atividade tem que ser direcionada para todos, e deve haver a supervisão individual”.

     No caso do serviço particular, essencialmente, a família que deixa o enfermo com o educador físico, seja em uma academia, instituição ou na própria residência para o devido atendimento, pode cobrar resultados do profissional. Pois, é a partir da anamnese e da avaliação corporal que ele vai poder traçar objetivos e identificar se houve melhora por parte do paciente. Além de tudo, em parceria com um neurologista, o educador pode fazer uso de exercícios mentais com o doente.

     Além dos problemas corporais, a memória do idoso está se tornando cada vez mais comprometida. Inicialmente, a esposa lembra que ele se esquecia de todos, mas não dela. O acompanhamento com um psiquiatra já era constante por causa de uma depressão que foi tratada por dez anos. Os filhos já estavam atentos e ao relatarem a situação ao médico, Luiz logo foi encaminhado para uma ressonância magnética, que constatou a enfermidade.

      Agora, com amor e afeto, todos os familiares organizaram suas vidas para prestar todo o auxílio necessário ao idoso, que com um sorriso ou um beijo, demonstra a felicidade e a gratidão pelo que tem. De vez em quando, ele ainda lembra dos nomes e consegue fazer pronúncias mais coerentes. E os filhos recebem como pagamento a alegria de ser momentaneamente lembrados pelo pai.

     Essa mesma felicidade é vista na agricultora Josineide Ferreira, chamada carinhosamente de Teta. A mãe, Maria Ferreira, conhecida por todos como Dona Menininha, começou a demonstrar os primeiros sintomas a partir de repetições de frases. Devido ao esquecimento, ela sempre acabava contando a mesma história como se nunca tivesse falado. Ao perceber, a filha já procurou o atendimento público e a partir de lá, foram para um médico particular em Arapiraca. Rapidamente foram feitos exames, que constataram um Acidente Vascular Encefálico (AVE).  

     Os sintomas pioraram com o passar dos anos e ao procurar novamente um neurologista, ela foi finalmente diagnosticada com DA. Devido a demora, os filhos não sabem informar quando a doença começou, mas acreditam que ela surgiu devido ao AVE, que é caracterizado com o entupimento ou rompimento dos vasos que levam o sangue até o cérebro. 

     Depois do diagnóstico, ela voltou a fazer acompanhamento com o médico do Sistema Único de Saúde (SUS). No início, a medicação era dada por meio de um adesivo, que não era o adequado para a situação da idosa, isso trouxe um gasto mensal de R$ 400,00 reais por mês. Foi só com a mudança de profissional que foi percebido a necessidade de um novo medicamento. Os valores não mudaram muito, mas agora é possível perceber o efeito correto.

     A indicação do adesivo tem aumentado devido a absorção das substâncias que ocorrem de forma mais lenta no organismo e por isso apresenta menos efeitos colaterais. Também, desde o início de 2019, o Ministério da Saúde (MS) informou que ele pode ser adquirido de forma gratuita pelo SUS. Entretanto, para evitar situações como ocorreram com a Maria Ferreira, é preciso tomar cuidado, pois “O adesivo geralmente é indicado para pacientes com intolerância gástrica a medicação oral ou pacientes que tenham dificuldades para deglutir”, contou a neurologista Barbosa.

    Ademais, conforme os estágios da DA foram progredindo, o uso medicamentoso foi diminuindo. Teta conta que pela demora em retirar alguns remédios, a mãe passou por situações difíceis. “ No início da doença eram mais medicamentos, como foi avançando, foi diminuindo para não ficar muito dopada. Se ela ficar muito dopada, não consegue andar. Já chegou o caso de ela ficar dois meses sem andar. Quando eu e minha irmã percebemos, a gente já foi diminuindo o medicamento”, contou.

 

 Hoje, mesmo com a demência, a filha fica feliz porque, segundo ela, a parte mais difícil já passou. O cuidado com a mãe é visto mais como uma retribuição do que uma obrigação e com carinho, dia após dia, ela está presente seja para dar um banho, preparar uma refeição, ou simplesmente olhar para a Maria, fazer um carinho e agradecer pela vida. 

QUEM CUIDA DE MIM

Quem cuida de mim

     Um dos maiores desafios enfrentados após o diagnóstico do Alzheimer está ligado a questão do cuidado. Principalmente porque conforme a doença vai progredindo, aumenta a necessidade de um cuidador para auxiliar o paciente. Logo, até as atividades básicas do dia a dia passam a ser realizadas com o auxílio de terceiros, convertendo em uma relação que precisa ser amparada em ambas as partes.

     Isso porque a tarefa do cuidador exige uma dedicação integral. Juntamente aparecem os desafios que podem desestabilizar até os mais preparados, pois junto com os serviços desempenhados, existe o abalo emocional. De acordo com a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), as reações emocionais do familiar-cuidador se devem ao sentimento de responsabilidade, preocupação e até culpa por problemas que podem aparecer.  

     Diante disso, é importante que seja feito acompanhamento psicológico com o enfermo e o cuidador desde o aparecimento da doença, para tratar questões como aceitação, preocupações e principalmente mostrar a importância de se manter uma vida semelhante ao que se tinha antes da DA. A psicóloga Daniela Aranda informou que o processo se torna mais complicado porque a relação de cuidado está invertida e agora, além de lidar com o esquecimento, os filhos, esposas, netos e cônjuges passam a ocupar uma nova posição na configuração familiar.

     Visto que essa é uma patologia que atinge diretamente o lado emocional do cuidador, a falta de uma psicoterapia pode ocasionar problemas como depressão e estresse. Sem o tratamento adequado, esses quadros podem evoluir e gerar a necessidade de medidas mais severas, como o uso medicamentoso, que nesse cenário se torna ainda mais complicado porque uma vez que o cuidador necessita dessa atenção, a pessoa com DA também não pode ser deixada de lado.

     Em famílias que mais de uma pessoa participa ativamente do acompanhamento do paciente, a função se torna mais leve. Entre as quatro filhas da Maria Rodrigues, a ex-sacoleira Maria José foi a que mais sofreu com o estado da mãe. Mesmo com o auxílio de um cuidador profissional, que acompanhava a idosa das 7h às 17h, ela sempre precisou ficar na casa da senhora para dormir. No início da doença, esse foi considerado o horário mais difícil para o cuidado, já que os remédios não estavam sendo suficientes e Maria, constantemente, perdeu várias noites de sono para não deixar que a mãe sofresse algum incidente durante à noite.

     A ex-agricultora trabalhava nas mais variadas plantações - fumo, feijão e milho - desde muito cedo. Ainda mais, ela tinha uma rotina muito cheia para conseguir dinheiro para alimentar as filhas e manter a residência impecável. Depois da doença, na falta de sono, ela se mostrou muito inquieta e começou a recriar algumas atividades que desempenhava durante a juventude. Tirar as panelas do armário e guardá-las repetidas vezes, dobrar os lençóis e bagunçá-los para repetir a ação e mexer em objetos cortantes, foram as coisas mais frequentes.

 

     Porém, algumas ações preocuparam as filhas. Pois, as portas da casa precisavam ficar bem fechadas ou ela sairia para pegar as bolsas de lixo da rua para trazer para dentro. Ademais, as ocorrências começaram a incomodar a vizinhança quando a mesma fazia suas necessidades fisiológicas e jogava no muro da casa vizinha, que possuía um espaço com muitas árvores e a levou a acreditar ainda morar no sítio da adolescência, quando não existiam banheiros.

     A situação desestruturou a ex-sacoleira, que precisou fazer acompanhamento com um psiquiatra por meses. Hoje, ela está melhor e não precisa mais das medicações, apenas da psicoterapia. A medicação também está agindo corretamente com dona Maria e diferente do início, hoje, as filhas e a cuidadora contratada dormem com ela. Uma mudança necessária para o bem estar de ambas as partes.

     Foi a ajuda da irmã que evitou que uma situação semelhante à que aconteceu com a ex-sacoleira viesse a ocorrer com Josineide Ferreira. Ela trabalha durante o dia e nesse horário, uma cuidadora fica com a mãe, Dona Menininha. 

     É só durante à noite que a filha ajuda com o banho, a alimentação e a medicação. Diferente da Dona Maria, o remédio faz efeito desde o início da doença e a mesma não apresentou problemas para dormir, tornando desnecessário que alguém esteja acompanhando.

     Porém, mesmo com a situação sendo considerava mais fácil de lidar, o abalo emocional não deixou de fazer parte da vida de Josineide. Ela conta que no início foi difícil, mas que hoje, com a ajuda do esposo e da irmã, está sendo mais fácil de lidar. “Nós fomos obrigados a nos acostumar”, enfatizou.

     Apesar disso, foi para as cuidadoras que passaram pela vida da Maria, que ficou o trabalho mais árduo. No início, ela apresentava agressividade e não aceitava a ajuda de pessoas de fora da família. 

     Teta contou que “ela chegou até a bater na menina que tomava de conta dela, mas não foi tão violento, só bateu e disse muita coisa, brigou com a menina”. Contudo, ela foi ficando mais calma com o passar dos anos e a mudança na medicação.

     Devido a pressão psicológica, a agricultora reconhece que não é fácil permanecer com uma única pessoa prestando o auxílio durante o dia. Assim, duas profissionais revezam. Uma durante a semana e a outra  aos finais de semana. Além disso, todas as noites ela a irmã revezam no cuidado e deixam a casa por volta das 21h, onde a responsabilidade é passada para o pai. 

     Lidar com uma doença, por mais simples que seja, é complicado. Quando se trata da DA, é uma condição que afeta não somente a pessoa diagnosticada com a enfermidade, mas todas os que convivem diretamente com o indivíduo. Porém, dentro desse cenário, existem aqueles que despertam dentro de si o chamado para auxiliar os pacientes e levam isso como objetivo pessoal e profissional.

     Entretanto, é preciso preparo para cuidar de alguém nesse estado e, sobretudo, amor. O indicado é que o cuidador profissional tenha conhecimentos na área da saúde. Visto que essa comorbidade, geralmente, desperta outras doenças no paciente. Além disso, o grande número de medicamentos e até sintomas que fogem do habitual precisa ser observados com atenção.

     Logo, o aumento de casos da DA vem abrindo espaço no mercado de trabalho para enfermeiros, técnicos de enfermagem e até pessoas sem formação, mas que disponham de vontade para trabalhar como cuidadores.

     Em contato com a agência de cuidadores, Cuidare, localizada na parte baixa de Maceió, ao ser questionada sobre a procura por profissionais para trabalhar com idosos especificamente com a patologia, a atendente contou que existe um grande número de interessados na contratação dessas pessoas, mas que existe a exigência de experiência profissional na área. 

     A aposentada Josete Ferreira dos Santos, que atua como cuidadora e tem curso técnico de enfermagem, trabalhou por anos em alguns hospitais da capital alagoana, o que abriu as portas para o mercado de trabalho depois da aposentadoria.

     Trabalhar nessa área surgiu como uma opção diante da vida solitária que vinha tendo depois de encerrar o trabalho no hospital. O amor pela terceira idade manifestou-se ainda nova, antes de começar seu curso, quando cuidou de um parente em estado terminal. Foi então que teve certeza que essa seria sua área. Desde 2011, ela já cuidou de pessoas com AVE, câncer e por fim, três idosos com DA.

     

     Pouco depois do falecimento de uma paciente, a filha da mesma, Tânia Maria, de 74 anos, também desenvolveu a doença. As duas moravam no mesmo prédio e Josete só precisou atravessar o corredor para chegar ao seu novo local de trabalho, que permanece até então. Não sabia ela que seria com a Dona Tânia, como chama carinhosamente, que ela desenvolveria um vínculo afetivo.  

     A idosa não teve filhos e morava sozinha com o esposo, até que pouco a pouco, a casa solitária foi dando espaço para várias cuidadoras. Além da técnica em enfermagem, mais quatro profissionais passam a semana na residência fazendo o acompanhamento necessário. Duas ficam durante a semana e as outras duas nos finais de semana, sempre revezando entre o dia e a noite.

     Ela é a mais antiga das cinco e se apegou tanto ao casal que não consegue passar muitos dias longe do trabalho, que com tanto amor, deixou de ser uma obrigação e se transformou em local de relaxamento. 

“Eu me sinto melhor aqui do que em casa, porque em casa eu sinto aquele vazio, tá faltando alguma coisa.  Do costume de estar aqui. Em casa eu vou dois dias e parece uma eternidade. Tanto é que nas férias eu vou tirando de dois ou três dias, nunca tiro os 30 dias todo”, contou a aposentada.

Josete Ferreira

No áudio, a cuidadora conta sobre os desafios enfrentados pela falta de reconhecimento da profissão. 

Josete - Desafios
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     Mesmo com a longa carreira na área, ela ainda foca no trabalho e sempre que são realizados congressos sobre Alzheimer na cidade, ela participa para aprender formas mais eficientes de cuidar da idosa. Além disso, todos os meses, juntamente com o patrão participam das reuniões de apoio para familiares e cuidadores de pessoas com a doença.

     Porém, ela ressalta que nem tudo são flores dentro da profissão. O paciente precisa de auxílio total do profissional, principalmente quando se encontra no estágio terminal, como no caso da Tânia. E é preciso muito amor e calma para saber lidar com as situações que aparecem: “ela não engole mais, só pastoso. Então eu pego a colherzinha e vou mostrando para ela. Peço para abrir a boca e tudo que eu vou fazer para ela, eu falo o que estou fazendo para evitar estresse. Ela só estressa na hora do remédio, aí ela prende a boca para não aceitar a medicação”.

     Nesse mercado de trabalho ainda existe a falta de reconhecimento. De acordo com Josete, o valor pago pelos seus serviços dá para manter uma vida tranquila, sem preocupações. Mas esse é uma exceção e a realidade é que muitas famílias não consideram essa profissão como relevante e oferece remunerações extremamente baixas.

     A Abraz é uma das associações mais respeitadas no país e presta auxílio a cuidadores familiares por meio de reuniões que acontecem em vários Estados. Em Alagoas, existem dois grupos de apoio funcionando na capital, um na Igreja São Pedro, na Ponta Verde, e o outro no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), localizado na cidade universitária.

 

     Ela surgiu juridicamente em 23 de abril de 2015 “através do médico geriatra Denis Antonio Santos de Melo, que conheceu a Associação Brasileira de Alzheimer Nacional, quando residiu em São Paulo, capital. (Ele) Trouxe a ideia, e houve adesão de vários profissionais da área de saúde”, explicou a  presidente da Abraz, Maria José de Souza Florencio.

     Atualmente, encontros são coordenados por profissionais multidisciplinares e realizados na segunda-feira de cada mês e são intercalados entre acolhimento dos participantes e palestras. A data só é alterada em casos de feriados ou razões superiores. Assim, o calendário de cada ano já é estabelecido e divulgado previamente para os participantes e interessados nas redes sociais da associação.

REUNIÃO ABRAZ

     A Abraz é uma organização sem fins lucrativos e sobrevive por meio de doações, vendas de produtos como livros e DVDs explicativos, mensalidade dos associados e trabalho voluntário. As diretorias são divididas pelas regiões Centro Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e o Sul.

    De acordo com Maria José, os membros da diretoria, conselho fiscal e coordenadores de grupos de apoio, profissionais ou familiares, são voluntários. Ninguém recebe remuneração. Até a última reunião de 2019, a associação contava com quatro familiares, oito profissionais de saúde, um advogada e um contador. Além disso, cerca de 80 familiares são amparados.

     Na visita em um dos grupos da cidade de Maceió, feita no último encontro do ano de 2019, dessa vez alterado para a primeira segunda-feira de dezembro em virtude das festas de final de ano, foi possível perceber a importância de ter um espaço para apoio dos familiares e a troca de experiências entre os mesmos.

     Em uma sala pequena da igreja, com cadeiras formando um círculo e um banner explicativo sobre os sintomas do Alzheimer, pouco a pouco chegaram membros de longa data e outros que por curiosidade, foram visitar pela primeira vez. Esses, mostraram-se medrosos, com pouca segurança para desabafar sobre a situação angustiante que estavam vivendo. 

     Entretanto, com a presença de variadas pessoas que passam por situações similares, os recém chegados paulatinamente foram demonstrando esperança. Isso ficou claro pelas expressões tristes que próximo do final da reunião se transformaram em sorrisos. Para o relaxamento desses integrantes, sempre é feito algo para promover a descontração. A prática dessa vez foi a meditação, que provocou várias reações, como choro, sono e inquietação.

     Infelizmente, nem todos os familiares têm acesso a esse tipo de apoio, como os que foram acompanhados na construção desta reportagem. Como todos, com exceção da Tânia Maria, residem em municípios do interior alagoano, esse tipo de serviço ainda não é realizado. Resta então as psicoterapias e saídas alternativas para extravasar toda a pressão do dia a dia.

     Além do mais, quando se trata de ter um cuidador para auxílio familiar, alguns ainda são resistentes a ideia, justificando que o doente não terá o carinho necessário, como teria com um parente. Esse medo se deve aos constantes casos de maus tratos aos idosos, noticiados frequentemente na mídia. De acordo com o balanço de 2018, divulgado pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos), foram recebidas 37.454 denúncias de violações contra a pessoa idosa. Desses, 52,9% dos casos foram cometidos pelos filhos e 7,8% pelos netos. Ou seja, a maioria das denúncias são contra os próprios familiares dos idosos.

     Como mostra no gráfico acima, as maiores denúncias são feitas sobre a violação das mulheres (62,6%) e os homens (32%). Já a faixa etária de 71 a 80 anos, onde os idosos estão mais fragilizados, aparece com 33% e entre 61 e 70 anos com 29%. Ademais, 14 mil vítimas declararam ter alguma deficiência. Desses, a doença mental só perde para a deficiência física, com 37,6% e 41,6%, respectivamente. Seguidos vem a visual, com 11,5%, a intelectual com 4,6% e a auditiva com 4,4%.

     Além disso, as mulheres brancas não estão a frente apenas nas denúncias de violações 62,6%, como já dito, mas também em relação a cor e raça. Segundo os dados, cerca de 41,5% das denúncias são de brancas e em seguida vem os pardos com 26,6%, pretos com 9,9% e amarelos 0,7% e indígenas 0,4%.

     A assistente social Maria Betânia Jatobá trabalha com o envelhecimento desde 1993 e também ficou à frente da diretoria de uma Instituição de Longa Permanência (ILPI) na mesma época. Ela esclareceu que em casos de maus tratos a pessoa idosa, com ou sem a doença de Alzheimer, é preciso procurar meios para denunciar para que sejam tomadas medidas contras essa violação. 

Maria Betânia - Amparo ao idoso
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     Embora o Heitor dos Santos tenha tido seis filhos, apenas dois, Nilson, de 45 anos e Mizael dos Santos, de 41 anos, participam ativamente dos cuidados. Isso porque Elienay, o que chegou a ser dado para a adoção, mora na capital com a família adotiva; O mais novo trabalha no interior de São Paulo e por isso se mudou para lá há alguns anos; já o Natan mora perto, mas é esquizofrênico e por isso precisa de mais atenção; a Sônia, única mulher no meio dos cinco irmãos, mora próximo a casa do pai, mas por problemas na coluna, não consegue ajudar nas tarefas mais pesadas.

     O irmão mais velho estava morando em Arapiraca com a esposa e os dois filhos, Marcos Heitor e Raquel Vitória de 16 e 10 anos, respectivamente. Quando o pai adoeceu, ele precisou se mudar para Lagoa da Canoa, para auxiliar o irmão. Devido ao peso corporal, a esposa, Maria Bispo não consegue segurar o idoso para colocá-lo na cadeira de rodas ou para levá-lo para o banho, por isso, um dos filhos sempre precisa estar presente.

     Já o Mizael se casou no início de 2019. Devido a necessidade de sua presença, ele só conseguiu se mudar para uma casa própria no meio do ano. Na mesma época, conseguiu um emprego de moto táxi e precisou fazer um acordo com o irmão para dividir as funções de cada um depois desse afastamento. Logo, Nilson passou a ficar com Luiz durante a semana enquanto o outro trabalha e no sábado e domingo, vai para casa ficar com a família.

     Ele está inserido nas números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontam ter 12,8 milhões de pessoas desempregadas no país. Desocupado, o ex-guarda municipal começou a passar por dificuldades financeiras e para sustentar a família, precisando da ajuda da mãe e dos irmãos. 

     Ao mesmo tempo, a irmã ressalta a importância da presença dele e destaca que sua ausência causaria apertos para a mãe. “Toda a força da casa é com o Nilson e o Mizael. Sem os dois, não sei como conseguiríamos cuidar do meu pai. Enquanto eu ajudo com a casa, alimentação, eles pegam no pesado. É triste que ele não tenha um emprego, mas se ele tivesse, não sei como seria”, comentou.

Nilson Santos - Desemprego
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     Em meio às circunstâncias, ele não se mostra abalado e tenta sempre dar força aos demais. O que preocupa toda a família é que assim como o pai, Nilson, Sônia e Mizael tiveram depressão há alguns anos e a atual conjuntura pode trazer problemas passados. Apesar disso, nenhum dos membros têm interesse em ter atendimento psicológico e acreditam que isso só se faz necessário em casos mais extremos.

     Já a esposa é a que mais demonstra abalo diante da situação. Antigamente, antes do aparecimento da doença, ela morava sozinha com o esposo e um filho que a ajudava em todas as tarefas domésticas. Por causa da doença, os filhos, netos e noras sempre estão presentes e agora, além de conviver com a dor de ter que ver dia após dia o homem com quem dividiu a vida esquecer de cada detalhe que se passou nos últimos anos, Dona Lili enfrenta um novo dilema: lidar com a falta de organização em casa.

     Devido a criação rígida, ela foi ensinada que uma residência deve estar sempre impecável e que enquanto o homem deve trabalhar para prover o sustento familiar, a mulher deve cuidar dos filhos e de todos os detalhes do lar. Ela apanhou muito da mãe na época da adolescência para poder desempenhar as tarefas domésticas com excelência. Agora, depois de ter aprendido e se acostumado com a ideia, o seu sofrimento é por ver a casa sempre cheia e desorganizada.

     Ao passar algum tempo com a família, é possível ver a inquietude da senhora. A família e as visitas são sempre tratados com muito afeto, mas basta se ater aos detalhes para perceber um olhar distante e tristonho, que sempre vem acompanhado de um comentário a respeito de como sofre em ver a casa bagunçada. 

     Além disso, religiosa e com muita fé, atualmente não frequenta a  igreja com tanta assiduidade como antes. Esse é só mais um dos costumes que, drasticamente, vem sendo afastados da sua vida para colocar Heitor em primeiro lugar. 

     Mas, mesmo sofrendo, não se arrepende, e declara “eu fico assim triste, mas não é aquela tristeza profunda, fora do normal. Depois eu me conformo, que eu sei que a vida é assim mesmo, foi o que chegou na vida dele e eu como esposa dele, tenho que cuidar dele até quando Deus quiser”.

     A Sônia também foi criada com os mesmos preceitos da mãe. Sendo a segunda filha do casal, com 43 anos, sempre trabalhou como diarista, cuidadora de bebês e nos últimos anos, cuidou de idosos com Alzheimer e câncer. Mesmo não tendo se mudado como os irmãos, todos os dias ela vai visitá-los e sempre se mostra positiva em relação ao pai.

     Porém, algumas atitudes mostram que não existem tantas esperanças em relação a doença e por isso, tenta agradá-los de todas as formas. Então, sempre que pode, leva comidas que o pai gosta de comer, tenta sempre reunir a família e dar força, para que nenhum venha desanimar. Além disso, sempre está registrando todos os momentos e guardando as fotos no álbum de família.

     Mesmo quando surge a tristeza, é importante sempre tentar esconder. Embora a pessoa com Alzheimer nem sempre tenha consciência do contexto que está inserido, eles têm facilidade em perceber sentimentos negativos e isso pode gerar inquietação e tristeza no doente. 

     Sônia explicou que nem sempre é possível se manter feliz na frente do pai, principalmente por parte da mãe, Dona Maria, que está mais fragilizada, mas que tentam sempre esconder as preocupações para evitar desgastes. “Sobre as coisas que acontecem no dia a dia, está isento de tudo. Nós não vemos mais necessidade de contar nada para ele, por que o mundo dele é outro. A gente fica mais com ele para ouvir ele, conversar com ele, brincar com ele, nada sério”, contou.

TERAPIAS E CUIDADOS

     Diferente do que se imagina, só o acompanhamento com o neurologista, geriatra ou o psiquiatra não é suficiente para promover a maior qualidade de vida para o paciente. As especialidades terapêuticas são indispensáveis na hora de adiar ou até evitar problemas na linguagem, alimentação, locomoção e realização de tarefas do dia a dia, e a falta dessa assistência pode acelerar o aparecimento de algumas questões.

     De acordo com a neurologista Valdirene Barbosa, unir as especialidades pode diminuir os distúrbios da doença, promover a estabilização do comprometimento cognitivo e também do comportamento do indivíduo, que pode sofrer alterações com o decorrer das fases. 

     Um dos primeiros sinais a serem percebidos na pessoa com DA é a dificuldade no uso da linguagem, por isso é indicado que um fonoaudiólogo seja procurado com rapidez, já que a fala é considerada o meio mais rápido e eficaz na comunicação humana. Logo, é por meio dela que o indivíduo consegue se expressar e dialogar com outras pessoas. Então, complicações assim podem afetar o dia a dia e também gerar constrangimentos ao idoso.

     Fatores conhecidos como a “língua pesada” ou falas cortadas podem ocasionar em dificuldades no entendimento do que está sendo falado pelo doente. Também pode acontecer de que ele mesmo perceba que está tendo dificuldades para se comunicar e possa fazer a ligação com algum problema para tentar justificar o impedimento. “A fonoaudiologia vai atuar nesse ponto para que ele possa se comunicar melhor com as pessoas”, esclarece a fonoaudióloga Mônica Souza.

     Tanto o Luiz Heitor quanto a Dona Menininha apresentam essas dificuldades. Enquanto ele percebe que não está conseguindo falar com precisão e alega ser por um peso na língua que está acontecendo por um ferimento na boca, ela ainda não reparou na situação e também não chega a repetir as frases pronunciadas na tentativa de um entendimento.

     Conforme a doença vai progredindo, também é comum que comecem a aparecer algumas dificuldades na alimentação. Elas podem se manifestar de diversas formas. No caso do Luiz, há pouco mais de 3 meses, ele vem demonstrando dificuldades em levar a comida até a boca, isso acontece porque ele está perdendo a capacidade de se localizar.

     Isso fica visível em momentos que ele tenta se locomover e não percebe os objetos à sua volta e também na hora  de comer. Mas não para por aí, a vontade de ingerir todo tipo de comida que ele tinha no início da doença, vem dando espaço para a falta de apetite e engasgos constantes, que tem obrigado a família a começar a adaptar a dieta para alimentos com texturas pastosas.

     A textura da dieta pode variar de acordo com o estado de cada paciente. A nutricionista Thais Barros explica que no caso dos pacientes que apresentam dificuldade para mastigar e sofrem com problemas de deglutição e engasgo, é indicado uma dieta mais pastosa ou até líquida. Mas, para aqueles que comem normalmente, pode-se manter uma alimentação normal, apenas direcionando-a para alimentos que retardam a doença.

     De acordo com estudos da área, alimentos ricos em vitaminas do complexo B, vitamina C, vitamina D, vitamina E e o ácido fólico são eficazes não somente na prevenção da doença, mas também desempenham papel importante na melhora da qualidade de vida das pessoas com Alzheimer. Isso porque elas “apresentam vários resultados positivos sobre os neurônios e sobretudo no decorrer do envelhecimento”, explica a nutricionista.

Terapias e Cuidados

ALIMENTOS INDICADOS

Atum

Salmão

Sardinha enlatada

Figado de galinha

Ovos

Leite

Queijo

Banana

Laranja

Brócolis

Tomate

Pimentão

Com esse alimentos base, ricos em omega 3, vitaminas do complexo B, C e D, é indicado montar uma dieta diversificada e dependendo do estado do idoso, é possível intercalar entre sólido ou pastoso, com sopas, por exemplo.

     Tânia Maria começou a apresentar os sintomas da doença com 65 anos, logo após uma depressão resultante da morte de sua mãe. Os médicos acreditam que o Alzheimer pode ter aparecido decorrente desta enfermidade. Por descrença do esposo e na esperança de uma mudança no diagnóstico, foram feitos acompanhamentos médicos e exames em Alagoas e São Paulo, mas não adiantou.

 

     Dona Tânia estava em fase inicial e mesmo com acompanhamento multidisciplinar, os estágios avançaram de forma rápida. Hoje com 74 anos, ela se encontra acamada em casa com cuidadoras que são responsáveis por todo o cuidado com medicação, banho e alimentação. 

     Devido a situação, é preciso muita dedicação para que ela possa comer. Josete dos Santos conta que precisa pedir várias vezes para que ela abra a boca e quando não há compreensão, é preciso ir até a frente da paciente e demonstrar como abrir a boca para obter êxito na tarefa.

     Essas circunstâncias acabaram desencadeando outras doenças e até o emagrecimento da idosa. A nutricionista Thais Barros ressaltou que o cuidador não pode deixar de prestar atenção na alimentação de quem está sendo cuidado. Um descuido nessa área pode levar tanto a desnutrição quanto a obesidade e nenhum dos casos cooperam para a boa qualidade de vida. 

THAIS BARROS - ALIMENTAÇÃO DO IDOSO
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     Mas não se deve ter cautela apenas com o tipo de alimento. O posicionamento do idosos e a forma com que ele come tem a mesma importância para garantia da nutrição do mesmo. A fonoaudióloga Mônica Sousa contou que sempre pede que haja um acompanhamento do paciente na hora de comer, pois deve-se ter precaução para evitar engasgos, alimentação em excesso e até a entrada ou saída da comida por outras vias.

     A Fonoaudiologia é fundamental no tratamento terapêutico do doente, pois se tratando dos idosos com Alzheimer, um de seus objetivo é promover a intervenção para uma melhor qualidade de vida. Para isso, é necessário um acompanhamento desde o início da doença, para que as questões como alimentação e fala sejam trabalhadas com precisão entre paciente, familiar e terapeuta.

     Para isso, “A alimentação deve ser realizada com o paciente de forma sentada e que se for uma fase inicial, o paciente se alimente sozinho para que possa ter independência. Mas sempre pedimos que alguém esteja acompanhando ele, porque há fases em que o paciente esquece que já tem comido ou esquece a própria comida dentro da cavidade oral. Então, a gente pede que por esse motivo, que ele coma sozinho, mas sempre com alguém acompanhando”, explica a fonoaudióloga.

     Os problemas mais comuns relacionados a alimentação estão ligados a disfagia, onde eles vão ter engasgos, problemas para deglutir e esquecimento da comida dentro da cavidade oral. O idoso pode apresentar desatenção e esquecer das refeições e começar a brincar com as mesmas ou utensílios que estejam a sua volta.

     O mais indicado é que na hora da alimentação, objetos que possam tirar a atenção sejam retirados. Também é preciso colocar uma quantidade de comida que seja suficiente e quando o mesmo apresentar desinteresse, continuar tentando introduzir esse alimento para evitar problemas com a desnutrição. As terapias fonoaudiológicas também vão ensinar aos cuidadores a reconhecer com mais precisão a forma correta de ingerir o sustento, o tipo de textura - pastosa, líquida ou sólida - e também a postura correta para evitar as complicações já citadas.

      A DA traz variadas situações que podem ocasionar em dificuldades na locomoção. Seja por esquecimento, rigidez nas articulações devido ao grande período sem movimentação, fraqueza, dentre outros. Para a resolução dessas questões se faz necessário a presença da Fisioterapeuta para atuar na melhoria do paciente. 

     Para isso, é essencial trabalhar com o desenvolvimento e aprimoramento da capacidade cognitiva e para esse fim, é preciso retardar a perda da memória remota, “devido nós contarmos com a lentidão da marcha, com o nível de esquecimento das informações de memória recente, depois que vai evoluindo para a perda de memórias antigas e o que a gente observa nessa situação: a fisioterapia vai atuar no desenvolver, aprimorar, melhorar no nível de retardar o avançar da doença”, explicou o fisioterapeuta Clístenes Cavalcante.

     A marcha, dentro da fisioterapia é identificada como o andar. Logo, são utilizadas técnicas que possam trabalhar a funcionalidade, os movimentos das estruturas ósseas, articulares e musculares. Para que o músculo não entre em desuso, não perca força e isso influencia também na perda de equilíbrio. Vale considerar que cada caso e também cada fase da doença pode se apresentar de maneiras diferentes, necessitando de cuidados específicos.

     Dos entrevistados, apenas a Tânia e o Luiz apresentaram maiores dificuldades nesse quesito. Ela faz acompanhamento fisioterápico para evitar que os músculos venham a atrofiar totalmente, o que tem sido bem difícil nos últimos meses, já que ela não tem conseguido movimentar nada além do rosto. Já o Luiz, não faz nenhum acompanhamento.

  

     Clístenes ainda esclarece que a frequência com que cada paciente deve ser atendido pode variar muito, principalmente observando se ele está hospitalizado ou em casa. Assim, o tratamento só deverá ser encerrado caso exista um procedimento cirúrgico, na qual o profissional irá trabalhar essencialmente no pré-operatório e no pós-operatório. Diferente disso, o paciente com Alzheimer deve ser atendido desde o diagnóstico até que venha a óbito.

     A área especializada no tratamento dessa patologia é chamada de neurofuncional. Então, baseado nisso, se trabalha com algumas atividades “que vai estar atuando com a hidroterapia, com a fisioterapia laboratorial, ou seja, a fisioterapia na área clínica, em que nesse momento ela também possa fazer uso das técnicas da cinesioterapia (técnica usada para melhorar os movimentos). Podemos citar também além das atividades laboratoriais e aquáticas, atividades que envolva caminho social, ou seja, a interação com outros pacientes. Para que traga uma socialização e troca de informações perante os atendimentos propostos”, detalhou Cavalcante.

     Há a confusão entre a aplicação da Fisioterapia e da Terapia Ocupacional (TO) na recuperação do idoso. Assim, se explica no seu fundamental que enquanto a Fisioterapia trabalha com a funcionalidade motora como um todo, tendo como primordial, o caminhar, a outra está voltada para as atividades de vida diária (AVD), trabalhando no estímulo a reserva cognitiva que o paciente apresenta, para assim melhorar o desempenho ocupacional, para que ele consiga ser e se manter autônomo. 

     Estão dentro do viés da ocupação todas as atividades realizadas pelo indivíduo, então para melhorar a qualidade de vida do paciente, o momento mais adequado para procurar ajuda profissional é a partir do diagnóstico, para que seja melhor a adaptação do paciente. 

     A Terapeuta Ocupacional, Nataliene Melo, trabalha especialmente com idosos, parte com DA . Ela explica que a preocupação principal da TO é facilitar o desempenho ocupacional do paciente, para esse fim se buscam maneiras através de adaptações, orientações e da estimulação cognitiva para organizar como o paciente desempenha as atividades dele, para conforme a doença for progredindo, possa desempenhar as atividades de forma eficaz.

     Mesmo com a frequência indicada sendo de no mínimo uma vez por semana e de preferência dois encontros semanais, nos serviços oferecidos pelo SUS, a periodicidade cai para a cada 15 dias ou até uma vez por mês. Isso pode prejudicar o paciente em relação a eficiência da terapia. Entretanto, uma saída encontrada e até indicada pela profissional, é que os familiares estejam presentes nas terapias.

     A presença dos parentes ou cuidadores é crucial para assegurar a efetividade das atividades desempenhadas durante as terapias. Pois, como se trata de uma doença em que o esquecimento é algo frequente, quando se trata apenas com o mesmo, isso pode gerar resultados apenas momentâneos, considerando que ele certamente esquecerá o que foi ensinado. Além disso, o familiar é o indivíduo que estará presente no dia a dia dessa pessoa, então ele quem irá observar e auxiliar caso o enfermo venha agir de forma incorreta. 

     Assim, “através de orientações para idosos e cuidadores, a gente tenta fazer uma rotina para que exista estimulação na clínica, mas também consiga ter essa manutenção junto com os familiares. Então, a gente passa algumas atividades para serem realizadas em casa e também orienta para que eles possam fazer essa manutenção com os pacientes, já que a maioria do tempo ele está em casa e não em clínica, então a gente precisa desse apoio com os familiares”, relatou Melo.

Maria betânia - Atuação do assistente social
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     O assistente social também deve participar ativamente da equipe multidisciplinar, porque é esse profissional que ficará responsável por se ater ao estado do idoso e da família do mesmo. Então, caso constatado a necessidade, ele deverá direcioná-lo aos demais profissionais da saúde responsáveis por todo o tratamento terapêutico. Além disso, a assistente social Maria Betânia explica que a assistência não se restringe a área da saúde, mas em toda a questão social, econômica e de crenças desse indivíduo

DIREITOS E DEVERES

     Os idosos com a doença de Alzheimer, assim como a terceira idade em geral, têm seguridade pela Constituição Federal e pelo Estatuto do Idoso . Porém, na prática, poucos conhecem esses direitos e acabam desperdiçando os benefícios garantidos. Em outros casos, quando há conhecimento, a burocracia e o custo com advogados são os responsáveis pelo afastamento e até a desistência de muitos idosos ou familiares.

 

     Além do mais, é muito comum que a partir do diagnóstico, a família comece a se preocupar com questões relacionadas a saúde do doente a acabe deixando de lado questões como a aposentadoria, Imposto de Renda, IPI e ICMS. O foco passa a ser as consultas, cuidados e medicações. O que muitos não sabem é que esses, assim como os primeiros, também são estabelecidos por lei e devem ser garantidos ao paciente a fim de assegurar que ele possa viver amparado.

     Para os aposentados ou pensionistas que desenvolveram a doença, é possível pedir um aumento de 25% do valor recebido. O advogado Rivaldo Caju explicou que “qualquer aposentadoria, seja ela oriunda de contribuição ou por tempo de serviço ou por idade, caso o beneficiário esteja em situação crítica de saúde, ou seja, portador de doença grave, no caso, o Alzheimer, ele terá direito a esse acréscimo”.

     Isso funciona também para aqueles que recebem o benefício no teto, que está próximo dos R$ 6.000,00 e é considerado uma ajuda para os gastos com a enfermidade. Para requerer, a primeira parte é ir ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com a documentação necessária para preencher o formulário de solicitação do acréscimo. Isso dará entrada administrativa no processo.

     “O órgão certamente vai exigir uma perícia, ou seja, vai solicitar que a pessoa encaminhe no dia e horário marcado no INSS, junto ao perito que vai avaliar e se constatado de fato que a pessoa necessita daquele auxílio do terceiro para desempenhar suas atividades corriqueiras do dia a dia, poderá ser deferido. Do contrário, se for indeferido na esfera administrativa, a pessoa vai procurar um advogado e solicitar que esse direito seja reconhecido também na forma judicial”, esclareceu o advogado.

Direitos e Deveres

     O problema é que a realização é mais difícil do que parece. Foi esse fator que levou os familiares de três dos idosos desta reportagem a não procurarem o acréscimo junto ao órgão pagador. Desses, a única a buscar informação foi a Maria José Januário, filha da Maria Rodrigues, que desistiu por hora. Mas informou que vai se dedicar a isso no ano de 2020. Ela já teve experiências na fila de espera do INSS quando foi aposentar a mãe e também ao pedir redução da quantia paga para o seguro a fim de garantir a própria aposentadoria. 

     No caso do Alzheimer precoce ou até quando a enfermidade aparece pouco antes do indivíduo conseguir se aposentar, existem dois fatores para adquirir o benefício. Se já for a época da aposentadoria, ele vai entrar com o pedido por tempo de contribuição ou por idade e partir do momento que for aposentado, já pode pedir o adicional de 25%. Já na outra circunstância, caso o doente esteja trabalhando, vai se afastar do local de trabalho e passar a receber um auxílio doença no valor salário que recebia.

     Outro direito do idoso com a patologia é a isenção no Imposto de Renda (IR). A forma para solicitar a dispensa no pagamento é semelhante a forma do acréscimo de 25% na aposentadoria. O familiar deve ir até o INSS com as documentações do idosos e também com o atestado médico comprovando a doença e solicitar a isenção. Após a perícia, ela pode ser aceita ou negava. No último caso, o pedido deverá ocorrer judicialmente.

     Uma vantagem a respeito do Imposto de Renda é que é possível solicitar o reembolso da quantia paga enquanto o indivíduo já estava doente. À vista disso, é garantido por lei o reembolso de até seis anos de contribuição. Assim como os demais direitos previstos, o objetivo primordial é ajudar nos custos com medicação e cuidados. 

     A respeito da responsabilidade com o doente, A lei impõe o dever do familiar cuidar dos seus idosos. Segundo Caju, “aquele que tiver um parente, um pai ou uma mãe ou qualquer outro familiar que desenvolva essa doença e que não esteja mais em condições em realizar os atos da vida comum, é preciso solicitar a interdição dessa pessoa ou desse idoso por meio de uma ação judicial e ele será o curador, ou seja, o responsável por todos os atos civis daquela pessoa”.

Rivaldo Caju - Curatela
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     Para aqueles que não estão dentro do seio familiar, como os moradores de rua, a interdição é feita pelo próprio Ministério Público, que se torna o curador dessa pessoa. Depois, o mesmo nomeará uma instituição de longa permanência para tomar conta do indivíduo. Já para aqueles que se encontram nesse tipo de lar, essa interdição pode ser feita também pelo responsável do local. Ele deve procurar o meio judicial e solicitar a interdição para que ele possa ser o curador do idoso. 

 

     Em Alagoas existem algumas ILPIs que recebem idosos, porém, apenas alguns estão preparados para ter pessoas com essa enfermidade. Além disso, a maioria se mantém a partir de doações dos familiares ou dos próprios idosos, que por meio da aposentadoria, decidem ajudar o local. Dos onze lares procurados, apenas dois recebem esses indivíduos independente do grau da patologia. Outros três aceitam os idosos apenas em fase inicial. Desses, apenas um recebe ambos os sexos, os outros são voltados para mulheres.

      Lar Francisco de Assis: recebe idosos com Alzheimer. Para mais detalhes, a família deve procurar o lar segunda-feira ou quarta-feira; Lar de Idosos São Vicente de Paulo: Recebe idosos com a patologia só depois de passar por avaliação médica; Abrigo Luiza de Marillac: Recebe depois de avaliação médica; Lar bom Samaritano: recebe independente do nível da doença; 

 

Já a Casa do Pobre: está lotado; Lar Santo Antônio: está lotado e não recebe idosos com a doença; Lar são domingos: recebe apenas criança, embora no Maps se apresente como recebe idosos; Casa do idoso Amigos em Ação: não recebe; Abrigo Nossa Senhora das Graças: não recebe; Abrigo de Idosos Maria Júlia Miranda: recebe apenas mulheres, dependendo do grau da doença e se conseguem fazer as atividades básicas sozinhas; Lar Batista M. de Magalhães: recebe apenas crianças mulheres. Porém, no google Maps está como abrigo para idosos.

     Esses locais são conhecidos popularmente como abrigos, asilos ou casa de idosos. Porém, 

Além das Unidades Básicas de Saúde (UBS), que podem ser procuradas para um primeiro diagnóstico e também para a solicitação dos fármacos com o médico responsável, existem locais que prestam esse auxílio e todo o apoio terapêutico necessário através do Sistema Único de Saúde (SUS). 

     Por meio do Plano Nacional de Direitos de Pessoas com Deficiência, nomeado de Viver sem Limites, lançado em 17 de novembro de 2011, através do Decreto 7.612, o Governo Federal salienta o compromisso do Brasil com os termos estabelecidos na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU). Assim, foi publicado em 2012 a Portaria 793 do Ministério da Saúde que assegura a rede de cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS, e a Portaria 835, que institui incentivo financeiro de investimento e de custeio.

     Estão incluídos neste rol as deficiências: visual, motora, auditiva ou intelectual. Em Alagoas, existem cerca de 14 centros especializados em reabilitação habilitados, que atendem essa parcela da população. De acordo com o censo de 2010 do IBGE, quase 46 milhões de brasileiros declarou possuir algum tipo de deficiência investigada, compondo assim 24% da população brasileira. A deficiência visual foi a mais comum, presente em 3,4%; a deficiência motora em 2,3%; deficiência auditiva em 1,1%; e a deficiência mental/intelectual como a menos presente, registrando 1,4%. 

     Os Centros Especializados em Reabilitação (CER) são classificados conforme os serviços oferecidos e prestam suporte médico e social para a habilitação ou reabilitação do paciente. As deficiências visual, motora, auditiva ou intelectual são tratadas no CER e quanto maior o número de áreas assiste, maior a classificação. Assim, o CER II é formado por dois serviços de reabilitação habilitados; CER III é formado por três serviços de reabilitação habilitados; CER IV é formado por quatro serviços de reabilitação habilitados.

     No agreste, a Associação dos Deficientes Físico e Mental de Arapiraca (Adfima), oferece serviços em diversas áreas, como a psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem, serviço social, psicopedagogia, entre outros. Além de programas e projetos  voltados a necessidade dos usuários, buscando assim, de forma mais dinâmica qualidade de vida. 

     Ela está caracterizada como CER III e atende a população no campo intelectual, físico e visual. De acordo com a coordenadora Keila Nunes, a Adfima funciona de segunda-feira a sexta-feira e atende cerca de 936 pacientes diretos, além de atendimento indireto com esporte e cultura, cerca de 400 usuários. Hoje, com Alzheimer a instituição tem cerca de 10 enfermos. Totalizando assim mais de mil pacientes.

     Ainda pensando no tratamento, a Portaria n°703/2002 foi criada pelo Ministério da Saúde para promover o diagnóstico e também o acesso a medicamentos.

     Entretanto, há problemas com a saúde pública. Todos os benefícios garantidos precisam de um laudo médico comprovando a existência da doença. Devido a demora e a dificuldade para conseguir uma consulta, os familiares acabam desistindo de ir por esse caminho. No caso dos que dispõem de recursos financeiros, o atendimento particular é uma opção. Já para os outros, infelizmente, o que se tem enquanto se espera é um avanço progressivo da doença.

     No caso do Luiz Heitor, a família até buscou atendimento nos postos de saúde da cidade. Porém, ao se depararem com a lentidão, os filhos juntaram dinheiro para procurar o atendimento privado. Atualmente, alguns medicamentos são adquiridos pelo SUS, mas quando se trata do acompanhamento, esse é sempre pago. Assim como eles, quase todos os idosos desta reportagem também recebem auxílio do SUS para obter a medicação necessária, mas no que se diz respeito a exames e consultas, existe a preferência pelo serviço particular.

     A Lurdes e o Eloy Ciríaco são as exceções. Logo quando a mãe adoeceu, o nervosismo e o medo de a perder fez com que os filhos deixassem de lado o atendimento público e os remédios gratuitos. Ela passou todo o tratamento com fármacos comprados, até que veio a falecer. Segundo a filha, “a gente não perdeu tempo, começou dar a medicação. Como era muito cara, ai podia receber pelo SUS, só que era um processo muito grande. Ela [médica] preparou toda a papelada, mas a gente disse que já ia começar a comprar”, contou a professora.

     Já no caso dele, os medicamentos foram retirados pelos próprios filhos, por alegarem efeito contrário. A atitude surgiu por parte do estudante Ernandes Ciríaco, o filho mais velho, que ao sair de São Paulo para Alagoas para cuidar do pai, percebeu que ele estava muito quieto e por isso não conseguia realizar algumas tarefas. 

Edima Ciríaco - Medicação do pai
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     Ela relatou que depois da remoção, o agricultor não dá mais trabalho para os cuidadores. Enquanto antes, na primeira fase, apresentou comportamento violento e até chegou a ameaçar uma empregada doméstica com uma faca por não a reconhecer e depois, na segunda fase, ficou sem reação. Hoje o trabalho é mínimo e é até comparado ao cuidado com um bebê. Isso porque todas as atividades da vida diária agora dependem do auxílio dos filhos, seja para comer, tomar banho ou ir ao banheiro.

     Porém, é preciso muita precaução antes de tomar uma atitude assim. Barbosa, esclarece sobre a importância de procurar um profissional antes de realizar tal ato, pois isso pode prejudicar o paciente. Também é preciso que o médico saiba ser maleável para entender o cuidador, para que juntos venham buscar a melhor solução. “O profissional deve primeiro tentar entender o motivo da família. Depois, através de conversa, deve tentar mostrar a importância desta”, disse a neurologista.

     Por fim, um dos benefícios mais conhecidos entre a população é a redução de alguns dos impostos que incidem sobre o preço dos automóveis. Porém, uns acreditam que ele serve apenas para pessoas com deficiência, mas a Lei 10.690/2003, que trata do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), determina que portadores de deficiências físicas, visual, mental severa ou profunda e autistas também têm direito a essa baixa. 

     Assim como o câncer, o autismo, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) , a DA está inserida nesse rol e para adquirir a vantagem, o responsável legal deve procurar o Departamento de Trânsito (Detran), para solicitar o laudo pericial atestando a isenção do imposto. Logo após, basta se dirigir a Receita Federal com a documentação emitida pelo Detran e solicitar o procedimento. A redução pode chegar até 30% em cima do valor do veículo. Ainda há o direito de solicitar o desconto do ICMS e IPVA. Nesses casos, basta ir até a Secretaria da Fazenda do estado com a mesma documentação levada para a Receita.

 

     A Inês Santos, esposa do filho mais velho do Heitor, é quem dirige para a família nos momentos que precisam fazer o deslocamento de casa até o consultório médico. Os filhos, Nilson e Mizael, possuem motocicletas, mas devido a dificuldade do pai em se locomover, se faz necessário a disponibilidade de um carro para suprir as necessidades do paciente.

     Diferente das deficiências físicas que o motorista pode adaptar o carro para dirigir, nas doenças graves que dão direito a redução, é preciso que o curador do doente seja também o responsável pelo veículo. Diante disso, os filhos e a esposa não possuem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), tipo B, necessária para conduzir o automóvel, o que atrapalha na aquisição.

NUNCA ESQUECER

     Existem várias pesquisas no âmbito científico de formas para preservar a memória recente, mais afetada pelo Alzheimer e também de como fazer reviver lembranças antigas, já esquecidas pela doença. Por hora, ainda não foi constatado nenhuma descoberta sobre da cura da DA. Mas constantemente aparecem novos estudos que vem registrando efeitos, ainda pequenos, mas que podem fazer diferença na vida nesses indivíduos. 

     Uma pesquisa realizada por duas estudantes e uma professora de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em 2010, fez uso da música na terapia de idosos com Alzheimer que estavam sendo tratados em um abrigo de Maceió. Os resultados chamaram a atenção das pesquisadoras, pois constataram melhora considerável no cérebro dos participantes, e principalmente na parte mais afetada pela doença: o hipocampo, que ao ser estimulado, conforme as sessões foram acontecendo, demonstrou maior permanência da memória recente e evocação da antiga.

     A ideia do estudo surgiu a partir de um estágio que ocorreu dentro da instituição e foi levada para o trabalho de conclusão do curso. A partir da vontade de melhorar de alguma forma o tratamento dessas pessoas,  com conversas entre as discentes e a orientadora, ficou decidido que seria feito uso das música para ajudá-los e também registrar quais os benefícios seriam apontados. Devido ao estado de vulnerabilidade dos participantes, o nome deles e o local onde foram atendidos não podem ser divulgados.

     No processo de escolha, foram entrevistados doze idosos e foi tido como critério de seleção qual o estágio da doença, o nível de compreensão e se eles queriam participar. Devido ao grande comprometimento da memória, apenas cinco foram selecionados e assistidos durante seis meses. O diferencial é que as músicas selecionadas não foram aquelas já comprovadas como efetivas em tratamentos desse tipo, mas as que tinham algum significado na vida dos idosos e que eles tinham como referência na vida.

     Em cada sessão se fazia um pré-atendimento para saber como o paciente estava se sentindo, verificava-se a pressão arterial e era perguntado como haviam passado a noite. Depois disso, era colocado um CD para cada idoso com as cinco melodias que eles próprios escolheram e se observava como eles reagiam com aquilo. Inicialmente se percebeu que eles começaram a lembrar do passado e a demonstrar emoções como choro, alegria e também tristeza.

     Em contato com a enfermeira Cícera Albuquerque, orientadora do TCC, ela detalhou sobre o êxito da pesquisa: “eles começavam a falar de coisas que há anos não entravam em contato, vinham memórias de pessoas que encontraram na adolescência, de quando os filhos nasceram, de quando começaram a trabalhar, tem idoso que lembrou do pai, da mãe e o que foi interessante que na outra semana que fazia intervenção com a música, havia uma fala também dos próprios idosos que eles diziam que foi muito bom o que viveu na semana passada. Então a memória recente em algum lugar era evocada e se conseguia ter uma permanência dessa memória recente”.

     A enfermeira destaca que, visivelmente, a memória mais antiga tinha maior facilidade em surgir do que a mais fresca em permanecer. Mas que aos poucos, ao serem estimuladas, as duas foram se mostrando presentes. Outro relato foi a respeito da dor. Segundo Cícera, quanto maior a idade, mais presente se faz a dor. Porém, durante as entrevistas realizadas antes e depois das sessões, os participantes relataram ausência da dor devido ao relaxamento ocasionado pela música.

     Um experimento realizado em 2015, por vários pesquisadores e liderados pelo Instituto Max Planck de Neurociência e Cognição Humana de Leipzig,  da Alemanha, constatou que a música é um forte aliado a progressão da DA porque a memória musical está localizada em um local diferente das demais. Segundo a pesquisa, a memória auditiva e as canções ficam localizadas no lobo temporal, a primeira parte a sofrer com a demência. 

     Porém, para explicar como o doente pode esquecer de questões corriqueiras como o próprio nome ou dos familiares e podem lembrar das músicas que ouviram, os cientistas utilizaram a hipótese de que a maneira de se ouvir uma canção é diferente de se lembrar de algo. Assim, campos diferentes do cérebro operam em cada uma delas.

     Na primeira fase, foram utilizadas canções que fizeram sucesso desde 1977 e também algumas falhas musicais que pouco foram conhecidas. Isso serviu para localizar como funciona o armazenamento das músicas conhecidas e desconhecidas, com idades a partir de 65 anos e sem nenhum comprometimento da memória. Depois de entender o armazenamento, os testes foram repetidos com idosos para saber se pela atrofia cerebral, existiria diferença.

Nunca esquecer

     As ferramentas tecnológicas também são aliadas na hora de auxiliar a família e o doente. Além do crescente número de informações contidas na internet sobre formas para lidar com o patologia, constantemente são desenvolvidos Aplicativos (APPs), com o mesmo fim. A variação é imensa. São jogos para exercitar a memória, banco de notícias, e-books, informações de reuniões dos grupos de apoio e um dos mais buscados: APPs para enviar dados de localização para o cuidador e evitar que o idoso venha a se perder.

     No Japão, uma empresa criou um sapato com GPS acoplado, pensados para evitar que as pessoas com demência se perca. O calçado chamado “GPS Dokodemo Shoes” possui um localizador que se conecta a smartphones e computadores através de uma senha. As notificações são enviadas quando o idoso se afasta mais de 50 metros de casa. Infelizmente, o problema dessas tecnologias é que poucas estão disponíveis no brasil ou em português, além disso, o custo é elevado. Por enquanto, o sapato só está disponível no Japão, onde cerca de 65% da população é da terceira idade.

     A loja do android e do IOS também tem muitas variações dessas ferramentas. Alguns, como o Memory Life e o Timeless, são destaques por serem desenvolvidos por estudantes e terem se tornado referências. Outros, tem menos procura e são mais restritos a pessoas que adquiriram algum tipo de produto que pode ser configurado pelo APP, como o Remember Me, que funciona com uma pulseira ou um cinto, colocada no doente para enviar sinais aos familiares em caso de mudanças nos batimentos cardíacos - considerados pelo desenvolvedor como fator de risco - e localização.

     Porém, os mais populares são aqueles que de alguma forma, ajudam o idoso a lembrar daquilo que é mais importante para eles. O princípio básico de todos é que o usuário cadastra aquilo que não quer esquecer e com fotos - no caso da família, ou notas - no caso de senhas, endereços e contatos, sempre que necessário, basta dar uma olhada no aplicativo. Essas criações surgiram pensando em suprir um dos maiores medos que aparecem depois do diagnóstico da DA: o esquecimento.

     Mas, a verdade é que algumas coisas, assim como as músicas, não serão esquecidas ou demorarão muito para isso. O que foi percebido em todos os idosos desta reportagem é que cada um, da sua forma, mesmo com diferentes estágios da doença, sempre lembram de algo que marcou muito algum estágio da vida. Seja um nome, uma música, um local, um animal ou até um xingamento, mas de alguma forma, essa memória ainda se mantém viva. 

     Valdirene Barbosa, explica que essas lembranças permanecem devido ao acometimento do hipocampo pelas proteínas, que afeta primeiramente a memória recente. Assim, mesmo com toda a necessidade de um auxílio de outra pessoa até para fazer as atividades mais básicas do dia a dia, o enfermo ainda pode realizar alguma ação que fará com que os cuidadores mantenham vivos na memória a pessoa que eles sempre foram.

     A Tânia Maria, mesmo movimentando apenas do pescoço para cima, ainda consegue lembrar da paixão pela música e pelo seu maior ídolo: Roberto Carlos. O seu rei, mesmo não embalando uma dança, ainda consegue trazer paz e fazer com que ela viva a música. Para a família, isso é um conforto, pois desde jovem, ela sempre cantou e dançou ao som do cantor e agora eles podem lembrar quem ela era e sentir que ainda existe uma Tânia que vale a pena lutar. Josete, que viu de perto a alegria da idosa por conhecer Roberto, sempre que vê alguma alteração comportamental, coloca as músicas que a acalmam.

Josete Ferreira - Amor por Roberto Carlos
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     Já Dona Menininha tem na inquietação a maior semelhança com a mulher que era antes da doença. Sempre trabalhadora, precisou ser forte para conseguir superar as dificuldades e criar os filhos junto com o marido. Vez ou outra, na luta pelos seus direitos, desenvolveu um linguajar típico da idosa e eram os “palavrões” que avisavam a vizinhança que ela estava chegando. Hoje, seja com raiva de algo ou até aos cochichos, os xingamentos sempre estão presentes. 

     Teta se mostra intrigada e questiona a forma com que o cérebro é afetado, “as vezes eu acho que tem alguma coisa errada. Não entendo como ela pode esquecer do próprio nome, mas não tirar um ‘peste’ da boca”, e brinca, “é engraçado porque lembra da mãe quando estava boa, só é ruim para a cuidadora, que sempre que faz algo que ela não quer, escuta muita reclamação”.

     Em 2017, a  Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (ANVISA) permitiu que o óleo de cânhamo (RSHO™), rico em canabidiol (CBD, substância da planta da maconha, mas sem efeitos psicoativos), fosse prescrito para um paciente com Alzheimer. De acordo com o Conselho Regional de Medicina, vários estudos apontam o uso da substância para doenças como epilepsia, doença de Huntington, Parkinson e esquizofrenia. 

     Uma pesquisa da Salk Institute, nos EUA, concluiu que os canabinóides podem reduzir a inflamação no cérebro e o acúmulo de substâncias ruins produzidas pela doença. Essa foi a primeira vez em que o medicamento foi utilizado para tratamento de doentes no Brasil e mesmo depois de quase três anos, a substância ainda desperta preconceito em parte da população. 

     Porém, o caso do idoso que lembrou do filho depois de seis meses utilizando o óleo de cânhamo reavivou as discussões sobre o assunto. Isso porque, de acordo com a família, ele já estava em uma fase que não conseguia desempenhar funções como comer ou assimilar coisas e se tornou violento. As medicações convencionais não estavam fazendo efeito, mas com o uso da CBD, apresentou melhoras significativas. O vídeo da reação do doente ficou famoso nas redes sociais e tem cerca de 90 mil visualizações.

     Luiz sempre lembra de um passeio que fez há décadas até uma cidade próxima. Ele e o amigo foram montados cada um em um cavalo. Mas na volta, ao chegar em casa, o animal não resistiu a sede por água e acabou caindo e falecendo. A situação mexeu muito com o agricultor, que tinha parado poucas vezes pelo caminho para hidratar os animais. Ao lembrar do momento, ele demonstra variados sentimentos: tristeza, desdém ou arrependimento. 

     Nas primeiras vezes em que ele comentou sobre o assunto, os filhos se mostraram surpresos. Atualmente, ficam felizes e até instigam o idoso a comentar sobre, como uma forma de perceber que a memória dele ainda está guardando certas lembranças. Além disso, depois de uma troca de medicação, ele vem apresentando melhoras com a comunicação.

     E a vaidade não poderia ficar de lado se tratando da Maria Rodrigues. Ela sempre se preocupou muito com a beleza e com o corpo. Mesmo com o Alzheimer, claramente, as prioridades não foram esquecidas. A idosa chama a atenção de todos que chegam perto, pelas unhas que sempre estão pintadas e pela sandália no pé. O vermelho sempre foi sua cor preferida e é na ponta do dedo que ele sempre está presente. Ainda, todos os cuidadores precisam estar atentos, pois ao chegarem na casa com um esmalte diferente do dela, instantaneamente ela vai pedir um igual.

     De todos, o que menos demonstrou guardar algumas memórias foi o Eloy Ciríaco. Isso porque o jeito contido ficou mais presente depois da doença, o transformando em alguém mais observador que comunicativo. Mas, basta reparar para perceber que alguns costumes nunca foram deixados de lado. Embora não precise de tanta observação por parte dos familiares, ele ainda gosta de parar e tentar limpar o lar, como fazia quando a esposa ainda vivia.

ESQUECIDOS

  A VIDA DE QUEM CONVIVE COM ALZHEIMER 

08/02/2020

 

Direção e Edição:

Laís Falcão

 

Reportagem,

fotografias e vídeos:

 Kerolaine Costa

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